A constitucionalidade das disposições constantes do Decreto-Lei n. 70/66: a execução extrajudicial de dívida hipotecária
O Decreto-Lei n. 70/66 instituiu a cédula hipotecária para hipotecas inscritas nos Registros Gerais de Imóveis, como instrumento hábil para a representação dos respectivos créditos hipotecários. Nos termos do art. 10 do Decreto-Lei, a cédula hipotecária poderá ser emitida pelo credor hipotecário nos casos de: operações compreendidas no Sistema Financeiro da Habitação; hipotecas de que sejam credores instituições financeiras em geral e companhias de seguro; e hipotecas entre outras partes, desde que a cédula hipotecária seja originariamente emitida em favor de instituições financeiras em geral e companhias de seguro.
Em caso de inadimplemento da dívida hipotecária, prevê o art. 29 do Decreto-Lei que o credor poderá, à sua escolha, valer-se do processo judicial de execução previsto no Código de Processo Civil ou do procedimento extrajudicial previsto nos arts. 31 a 38 do Decreto-Lei n. 70/66.
Nesta última hipótese, o credor formalizará ao agente fiduciário a solicitação de execução da dívida (art. 31, caput, do Decreto-Lei n. 70/66), o qual, nos dez dias subsequentes, promoverá a notificação do devedor, por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos, concedendo-lhe o prazo de vinte dias para a purgação da mora (art. 31, §1.º, do Decreto-Lei n. 70/66). Em não sendo quitado o débito, o imóvel hipotecado irá a leilão público (art. 32 do Decreto-Lei n. 70/66).
Ao longo de sua vigência, o Decreto-Lei n. 70/66 foi alvo inúmeras críticas e questionamentos, sobretudo sob o argumento de que a execução extrajudicial da dívida hipotecária violaria o devido processo legal e a garantia de acesso à justiça (cf. art. 5.º, incs. XXXV e LIV da Constituição Federal de 1988).
Não obstante as críticas, o entendimento jurisprudencial majoritário, em especial após decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal[2], caminhou no sentido de que a expropriação extrajudicial prevista no Decreto-Lei n. 70/66 encontra-se em conformidade com a Constituição Federal.
Recentemente, no dia 07/04/2021, o STF colocou “pá de cal” sobre a matéria, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 627.106/PR[3], cuja repercussão geral havia sido reconhecida pelo Plenário Virtual[4].
Na decisão em questão[5], o Supremo Tribunal Federal, por maioria[6], entendeu serem constitucionais as disposições constantes do Decreto-Lei n. 70/66, que cuidam da execução extrajudicial de dívida hipotecária. No julgamento, a Suprema Corte firmou a seguinte tese: “É constitucional, pois foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o procedimento de execução extrajudicial, previsto no Decreto-lei nº 70/66” (Tema 249 da Repercussão Geral).
Nos termos do voto do Ministro Relator Dias Toffoli: o “procedimento não é realizado de forma aleatória e se submete a efetivo controle judicial, em ao menos uma de suas fases, sendo certo que o devedor é intimado a acompanhá-lo, podendo impugnar, inclusive no âmbito judicial, o desenrolar do procedimento, se irregularidades vierem a ocorrer durante o seu trâmite”.
rn Muito provavelmente a decisão repercutirá no julgamento do Recurso Extraordinário n. 860.631/SP, também com repercussão geral reconhecida, em que se discute a constitucionalidade de dispositivos da Lei n. 9.514/1997. Referida legislação regulamenta a execução extrajudicial de dívidas provenientes de contratos de mútuo garantidos por alienação fiduciária de imóvel.
[1] Advogada. Doutoranda e mestra em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
[2] Como, por exemplo: “EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI Nº 70/66. CONSTITUCIONALIDADE. Compatibilidade do aludido diploma legal com a Carta da República, posto que, além de prever uma fase de controle judicial, conquanto a posteriori, da venda do imóvel objeto da garantia pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais adequados. Recurso conhecido e provido”. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 223.075, da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Brasília, DF. 23 jun. 1998).
[3] Em conjunto com o Recurso Extraordinário n. 556.520/SP.
[4] “A questão posta apresenta densidade constitucional e extrapola os interesses subjetivos das partes, sendo relevante para os milhões de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação e, igualmente, para a sociedade como um todo, uma vez que a decisão a ser proferida neste feito possui estreito vínculo com a liquidez do Sistema Financeiro da Habitação” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral em Agravo de Instrumento n. 771.770/PR do Tribunal Pleno, do Supremo Tribunal Federal. Relator: Ministro Dias Toffoli. Brasília, DF, 25 março 2010).
[5] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 627.106/PR do Tribunal Pleno, do Supremo Tribunal Federal. Relator: Ministro Dias Toffoli. Brasília, DF, 07 abril 2021.
[6] A divergência foi instaurada pelo Ministro Marco Aurélio Mello, para quem: “Está-se diante de regência, sob todos os ângulos, incompatível com a Constituição Federal, no que assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, e vincula a perda de bem ao devido processo legal”. (Cf. informação disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=463955&ori=1).
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