Decisões Patrimoniais em Tempos de Reforma Tributária

por José Miguel Garcia Medina, Mariana Barsaglia Pimentel e Cássio de Paula Xavier
O patrimônio construído ao longo do tempo pelas famílias, seja ele o ativo imobiliário consolidado, o negócio familiar ou a terra produtiva, está sujeito, hoje, a uma transformação regulatória que exige a tomada de decisões importantes, especialmente em relação ao planejamento patrimonial e sucessório.
O planejamento permite que as partes interessadas se utilizem dos instrumentos disponíveis em nosso ordenamento jurídico para que, de forma lícita, façam escolhas referentes ao seu patrimônio, as quais deverão ser observadas em momento posterior à sua morte.
A Reforma Tributária (Emenda Constitucional n. 132/2023) introduziu uma alteração estrutural no Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), criando um paradigma fiscal mais rígido e oneroso. A inércia das pessoas em cuidar de seu patrimônio diante da Reforma, neste momento, impõe um custo crescente. A decisão de planejar
agora não é apenas uma otimização fiscal – é a única forma de garantir a preservação do valor de um legado.
Há, neste momento, uma janela crítica e finita para uma proatividade prudente, permitindo que a sucessão seja arquitetada sob regras que estão prestes a serem extintas ou, ao menos, a serem drasticamente modificadas.
A principal vantagem de se antecipar a sucessão patrimonial, de imediato, reside na possibilidade de "travar" a carga tributária sob as regras vigentes, que são objetivamente mais favoráveis que aquelas que serão implementadas pela Reforma Tributária. O primeiro risco a ser mitigado é o da incidência da progressividade obrigatória do ITCMD. A Constituição Federal agora exige que todos os Estados, incluindo aqueles com alíquotas historicamente fixas e baixas (como São Paulo, com 4%), migrem para tabelas progressivas. Para grandes patrimônios, isso significa que a alíquota pode dobrar,
atingindo o teto atual de 8%. Antecipar a doação e realizá-la hoje, sob as alíquotas atuais, garante uma economia direta e imediata. Soma-se a isso o risco iminente de que o teto nacional do ITCMD, fixado pelo Senado, seja elevado de 8% para até 16%.
A segunda e talvez mais tangível vantagem da realização do planejamento patrimonial e sucessório neste momento está na base de cálculo para as holdings familiares. Embora o Projeto de Lei Complementar (PLP) n. 108/2024 tenha recuado da
ideia inicial de tributar as cotas pelo valor de mercado dos ativos, mantendo temporariamente o valor patrimonial líquido (contábil) como base de cálculo, essa janela está se fechando rapidamente. O PLP n. 108/2024 já faz menção ao método do fluxo de caixa descontado para a avaliação futura das sociedades empresárias. Além disso, a progressividade obrigatória encarecerá a doação dessas cotas ao longo do tempo. A antecipação permite, portanto, realizar a doação de cotas sob o valor contábil, aproveitando a regra atual, antes que as regras de avaliação se tornem mais rígidas e onerosas, o que está previsto para entrar em vigor a partir de 2026.
Além disso, a ferramenta da “Doação com Reserva de Usufruto”, que permite ao doador manter o uso e a renda do bem em vida, está ameaçada pelo PLP n. 108/2024. O projeto propõe eliminar o diferimento do imposto, exigindo o recolhimento integral do ITCMD no ato da doação. Estruturar a doação agora, antes que essa regra se consolide, permite ao titular do patrimônio evitar a necessidade de dispor de liquidez imediata e substancial, garantindo a viabilidade financeira da operação.
Ainda, tem-se que, atualmente, uma das principais ferramentas para a implementação do planejamento sucessório é a utilização da previdência privada (PGBL/VGBL). O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o entendimento de que este
ativo está fora do alcance do ITCMD por ter natureza de seguro (Tema 1214). Esses planos se tornam veículos indispensáveis para prover liquidez imediata aos herdeiros, custeando impostos e despesas sem descapitalizar o patrimônio principal.
No campo da segurança jurídica e da governança, a antecipação da sucessão, através de um rigoroso planejamento, permite uma série de proteções que o inventário judicial não oferece. É possível, por meio da doação com encargo, inserir cláusulas
protetivas como as de inalienabilidade (que impede a venda do bem), impenhorabilidade (que protege contra dívidas futuras do herdeiro) e incomunicabilidade (que afasta o bem do patrimônio do cônjuge do herdeiro). A estruturação em vida garante, ainda, o estabelecimento de regras claras de governança familiar e societária (por intermédio de acordo de sócios ou acionistas, por exemplo), mitigando conflitos e garantindo a continuidade operacional da empresa.
Ainda, a divisão da herança em vida se justifica pela previsibilidade jurídica hoje existente. Com a alteração da competência para cobrança do ITCMD para bens móveis (agora vinculada ao domicílio do doador/falecido), e com a regulação da tributação de ativos no exterior, o terreno sucessório se torna mais complexo. Agir agora permite operar em um cenário regulatório conhecido, evitando a incerteza inerente à interpretação e à aplicação inicial de novas leis, especialmente as estaduais, que precisarão se adequar à progressividade.
Por fim, o novo ambiente tributário encerra a era da informalidade e torna a progressividade do ITCMD um fato consumado, com risco de alíquotas elevadas. A janela para fixar a carga fiscal nas alíquotas atuais e aproveitar o valor contábil das holdings é real, mas está se esgotando, dada a iminente adoção de novas regras de avaliação e a plena implementação das leis estaduais. O planejamento sucessório não é mais apenas otimização; é um complexo cálculo de gestão de riscos. Exige-se agora uma proatividade prudente e execução técnica imediata, garantindo que a sucessão seja um ato de inteligência estratégica, e não um passivo fiscal oneroso.
Aqueles que pretendem proteger seu patrimônio em prol de seus herdeiros devem agir agora.