Negociar? Sim ou não? Eis a questão!
O curso acadêmico de Direito prepara os alunos, dentro do possível, com o máximo de conhecimento da área jurídica e busca, dentre outras questões, desenvolver algumas habilidades que um bom advogado precisa dominar, como por exemplo a oratória, a argumentação, a escrita, a comunicação, o raciocínio lógico e jurídico e a negociação, esta última objeto de nossa análise.
A habilidade de negociar é pouco explorada na graduação. Hoje, mais do que nunca, em “tudo que queremos, somos obrigados a negociar”[1]. A sociedade contemporânea é, na visão de Roger Fisher e Willian Ury, fortemente marcada pela revolução da negociação[2], pois, gostando ou não, estamos sempre em negociação. Esta é uma realidade.
Em universidades ao redor do mundo, sobretudo nos Estados Unidos, a negociação é disciplina fundamental, sendo, inclusive, incluída nas escolas de ensino fundamental e médio.[3]
A habilidade de negociar é imprescindível para o exercício da profissão dos advogados, uma vez que estão constantemente negociando, seja com o seu cliente, com a parte adversa ou mesmo em repartições públicas. Mas, infelizmente, a realidade das faculdades e universidades mostra que os bacharéis em Direito, ao saírem da graduação, pouco ou nada sabem sobre o tema.
É sabido que a formação clássica na área jurídica conduz ao entendimento de que, quando há um conflito de interesses entre duas ou mais partes e uma resiste à pretensão da outra, temos uma lide. Em linha gerais, para que seja possível pôr fim ao litígio, “o embate deve ser submetido ao crivo do Estado-juiz, que, por sua vez, se manifestará à luz do ordenamento jurídico vigente”.[4]
Infelizmente, no universo jurídico, percebe-se uma difícil compreensão sobre a ideia de que, a partir da negociação, as partes litigantes podem ser beneficiadas.
Mesmo não chegando aos resultados inicialmente esperados ou onde todos sejam vencedores, é possível chegar a uma resolução em que ambas as partes cedam em algum ponto e, com isso, sejam beneficiadas.
Para que a mudança ocorra, o primeiro passo é entender que o propósito da negociação não é sempre e exclusivamente chegar a um acordo, mas que ela é um instrumento, um meio para se alcançar um resultado.[5] É preciso ter em mente que a defesa dos interesses do cliente não se faz exclusivamente em juízo[6], sobretudo levando-se em consideração o cenário atual de litigiosidade excessiva e a morosidade do judiciário, mesmo em demandas tidas como mais simples.
E por que muitos advogados têm receio em buscar resolver os conflitos de forma amigável? Por que, na prática, a audiência de conciliação é tida como ineficaz, como “perda de tempo”? De onde vem este ânimo beligerante?
Algumas são as possíveis respostas: seria possível dizer que é da própria natureza humana ou, ainda, tratar-se de um problema social e institucional[7] - tendo como prova disso o volume de processos que chegam aos tribunais todos os anos. Outra hipótese surge: a inabilidade negocial daqueles que labutam no direito tende a gerar o temor em não conseguir atingir o melhor resultado para seus clientes por intermédio da composição. Preocupam-se, ainda, com o fato de que o acordo possa não lhes propiciar a remuneração esperada.
Essas, acima, são questões que necessitam ser superadas no âmbito jurídico. Não se trata apenas de redução de tempo e custas, mas, principalmente, de criar, a longo prazo, uma cultura de aprendizado em que as partes busquem a resolução de conflitos de forma pacífica e efetiva.
É fundamental que haja uma mudança de comportamento em nossa sociedade, não apenas para as demandas jurídicas, mas, principalmente, para preparar o viés pessoal e profissional de cada um que se aventura nesse mar de incertezas. Sobretudo àqueles que atuam no Direito, buscar conhecer e dominar a teoria e as técnicas da negociação é imprescindível, visando a busca de resultados cada vez mais satisfatórios, para além da dependência do Estado-juiz
[1]FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim - negociação de acordos sem concessões. Tradução: Vera Ribeiro, Ana Luzia Borges. Editora Sextante, 2018, p.10.
[2]FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim - negociação de acordos sem concessões. Tradução: Vera Ribeiro, Ana Luzia Borges. Editora Sextante, 2018, p.10.
[3]FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim - negociação de acordos sem concessões. Tradução: Vera Ribeiro, Ana Luzia Borges. Editora Sextante, 2018, p.10.
[4]CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 6.
[5]SILVA, Alessandra Nascimento. Técnicas de negociação para advogados. 5 ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 83.
[6]SILVA, Alessandra Nascimento. Técnicas de negociação para advogados. 5 ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 28.
[7]CARNEVALE, Marcos. Cultura da litigiosidade – Um problema social ou institucional. Justiça e Cidadania. Disponível em: <https://www.editorajc.com.br/cultura-da-litigiosidade-um-problema-social-ou-institucional/>. Acesso em 20 dez. 2023.
Publicações mais lidas
- Caso Ana Hickmann: A (im)possibilidade de afastar a partilha de bens em casos de divórcio por violência doméstica
- A percepção do conflito no sistema de Justiça Brasileiro: o caminho até então percorrido
- Apenas namorados? A popularização do “contrato de namoro” e a expansão da autonomia privada no Direito de Família