O Consumidor Ecológico Como Agente De Transformação: Sustentabilidade e Mercado
por Fernanda Rodrigues Endrissi e Isabela Franciane Bassani Mangolin
O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme estabelecido no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, é uma prerrogativa assegurada a todos os cidadãos. Todavia, a responsabilidade por sua efetivação e concretização é compartilhada por toda a coletividade. Essa perspectiva transcende a concepção tradicional de que a tutela ambiental é um dever exclusivo do Estado, sendo também um dever de cada indivíduo¹. Historicamente, o Ministério Público tem sido um ator central nessa proteção, dada sua legitimidade para a defesa de direitos difusos e coletivos, conforme o artigo 129, inciso III, da CF².
Em um contexto de mercado globalizado, e desprovido da influência direta dos players econômicos de grande porte ou de amparo imediato das estruturas estatais de fiscalização, quais mecanismos ou formas de ação podem ser empregados pelo cidadão comum para contribuir efetivamente com a tutela ambiental?
Neste cenário, é imperativo empregar outras medidas que não apenas as comumente difundidas (como a reciclagem, a diminuição de desperdício e a compostagem de orgânicos, por exemplo). Embora valiosas, essas medidas representam apenas um ponto de partida. A busca por alternativas de engajamento e impacto, que extrapolem o âmbito das ações de consumo e descarte, torna-se essencial para que a contribuição individual ganhe maior coerência e relevância no cenário ambiental contemporâneo.
A contribuição individual para a proteção ambiental reside, essencialmente, no consumo consciente. É crucial reconhecer que o consumo humano ultrapassou a mera sobrevivência, focando em conforto e comodidade. Por isso, torna-se indispensável que o indivíduo esteja atento às "iscas"; do mercado globalizado que instigam o consumo desenfreado, como é o caso notório da obsolescência programada³.
Com efeito, o direito à proteção do consumidor constitui um direito fundamental expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, no art. 5.º, inciso XXXII⁴. Essa previsão eleva a tutela do consumidor para além das relações meramente privadas, concentrando-se na proteção de bens jurídicos de natureza existencial, como a defesa da vida, da saúde, do meio ambiente ecologicamente equilibrado e da segurança contra riscos provenientes de produtos e serviços⁵.
A complexidade do tratamento conferido ao meio ambiente evidencia a intrínseca conexão entre a atividade econômica e a degradação ambiental. As relações de consumo são diretamente responsáveis pelos ciclos de produção que mais impactam o ecossistema, já que os seres humanos extraem da natureza todos os bens indispensáveis para a sobrevivência em coletividade, o que torna defesa do consumidor e a proteção ao meio ambiente duas facetas indissociáveis de um mesmo dever: a garantia de uma vida digna e sustentável.
Diante da escalada da crise ambiental e da urgência em encontrar soluções sustentáveis, a figura do "consumidor ecológico" ganha destaque como um ator fundamental na redefinição das dinâmicas de mercado e dos processos industriais. O crescimento da consciência ambiental tem gerado a expectativa de que este novo perfil de consumidor detenha o poder de catalisar mudanças significativas nos atuais padrões de produção e consumo.
Diferentemente do consumidor em geral, cujas escolhas são majoritariamente guiadas pela relação entre qualidade e preço, o consumidor ecológico introduz um terceiro pilar em sua análise: a sustentabilidade⁶. A consciência do impacto ambiental de suas ações o leva a questionar padrões de consumo e a reavaliar suas decisões de compra de forma crítica e responsável. Ao modificar seus padrões de consumo, o indivíduo estabelece uma influência direta sobre a viabilidade econômica dos negócios ofertados pelos fornecedores. Desse modo, o poder de escolha do consumidor se manifesta como uma alavanca fundamental, capaz de pressionar a indústria a incorporar e a adotar práticas produtivas mais responsáveis e sustentáveis.
O marketing verde, também denominado marketing ambiental ou ecológico, assume um papel de destaque nesse contexto⁷, sendo uma abordagem estratégica que opera em duas frentes: primeiro, como resposta à demanda gerada por consumidores conscientes, e segundo, como força indutora de um mercado mais sustentável. Sua premissa é a de que a escala de produção e consumo impõe um ônus significativo ao meio ambiente, tornando imperativo o estímulo a práticas comerciais e de consumo que minimizem esse impacto⁸.
A importância da informação clara e transparente ao consumidor (conforme artigo 6.º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor) é um instrumento essencial na fase pré-contratual⁹ e no fomento da sustentabilidade, pois a clareza sobre o verdadeiro impacto ambiental do ciclo de vida do bem é fundamental para uma escolha consciente por parte do consumidor. Muitas vezes, ele é induzido por informações enganosas em rótulos e embalagens, o que dificulta a identificação de empresas que realmente praticam a responsabilidade ambiental.
Neste ponto também merece atenção a forma de conceder selos verdes aos produtores, pois se feita de forma indiscriminada e sem supervisão, se constitui uma prática a ser coibida, uma vez que esses rótulos, que atestam qualidades ambientais frequentemente questionáveis, configuram uma forma de marketing ecológico enganoso (greenwashing)¹⁰. Essa estratégia não só visa iludir o consumidor, mas também compromete a credibilidade das iniciativas genuinamente sustentáveis, gerando desinformação e minando a confiança no mercado¹¹.
Ante o exposto, a tutela do meio ambiente equilibrado (garantido no artigo 225 da Constituição Federal) deve transcender a concepção de um dever exclusivamente estatal, consolidando-se como uma responsabilidade compartilhada por toda a coletividade, fomentando o poder de transformação que reside no indivíduo, notadamente na ascensão do consumidor ecológico, cuja atuação insere a sustentabilidade como pilar decisório fundamental no mercado: compartilhando atuações, inclusive, com órgãos protetores, como o Ministério Público e os PROCONs.
¹ RIBEIRO, Alfredo. 5. Consumo Helicoidal: Direito do Consumidor Como Tutela em Face do Consumo In: RIBEIRO, Alfredo. Direito do Consumo Sustentável. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais. 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/direito-do-consumo-sustentavel/1294655694. Acesso em: 23 de set. 2025.
² PIZZOL, Patrícia. A Defesa dos Direitos Coletivos na Constituição Federal. In: PIZZOL, Patrícia. Tutela Coletiva: Processo Coletivo e Técnicas de Padronização das Decisões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/tutela-coletiva-processo-coletivo-e-tecnicas-de-padronizacao-das-decisoes/1300338209. Acesso em: 16 set. 2025.
³ No contexto das relações de consumo, a obsolescência programada é a decisão deliberada dos fornecedores de reduzir a vida útil de seus bens. Essa prática insustentável foca apenas na expansão dos ganhos financeiros, resultando em danos ambientais e sociais significativos. ALMEIDA, P. Vista do Consumo e Obsolescência Programada: Sustentabilidade e Responsabilidade do Fornecedor. Direito & Sociedade [Cidade da Revista], v.10, n. 2, p. 15-30, 2024.
⁴ ALVES, Fabrício. Fundamentos da Proteção e da Defesa do Consumidor Perante a Comunicação de Natureza Publicitária. In: ALVES, Fabrício. Direito Publicitário: Proteção do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/direito-publicitario-protecao-do-consumidor/1197132591. Acesso em: 15 set. 2025.
⁵ Segundo Sarlet e Fensterseifer (2021), a dimensão objetiva dos direitos fundamentais impõe ao Estado não apenas limites, mas também o dever de proteção, a ser cumprido por meio de ações normativas e práticas. Essa abordagem se manifesta de forma evidente na proteção ambiental, onde o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 estabelece uma norma geral de proteção e, em seguida, detalha uma série de atribuições específicas para os entes públicos. Desse modo, a Carta Magna define um claro arranjo de competências para garantir a efetividade da tutela ecológica. SARLET, Ingo; FENSTERSEIFER, Tiago. Competência Constitucional (Legislativa e Executiva) Em Matéria Ambiental. In: SARLET, Ingo; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ecológico: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção da Natureza. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/direito-constitucional-ecologico-constituicao-direitos-fundamentais-e-protecao-da-natureza/1314941085. Acesso em: 16 set. 2025.
⁶ HOLANDA, Fábio Campelo Conrado de; FREITAS, Ana Virginia Porto de. Do “homo consumericus” ao ser bioético: a função social dos contratos de consumo sob o viés da proteção do meio ambiente. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, v. 15, n. 1, p. 61-75, jan./abr. 2020. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/do-homo-consumericus-ao-ser-bioetico-a-funcao-social-dos-contratos-de-consumo-sob-o-vies-da-protecao-do-meio-ambiente/819717757. Acesso em: 16 set. 2025.
⁷ PAVIANI, Gabriela Amorim. Greenwashing: o falso marketing e a responsabilidade civil em relação ao consumidor. Revista de Direito e Sustentabilidade, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 92-109, jan./jun. 2019. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/232939731.pdf. Acesso em: 16 set. 2025.
⁸ De acordo com o MÉO (2019), o principal objetivo dessa abordagem de marketing é desenvolver e promover produtos e serviços que, além de atenderem às necessidades dos consumidores a preços acessíveis e compatíveis com os custos de produção, garantam o mínimo de impacto ambiental. Isso envolve uma avaliação de todos os processos (do consumo à produção, distribuição, promoção, embalagem e recuperação do produto) para que sejam alinhados com as preocupações ambientais. MÉO, Letícia. Capítulo I. A Exposição Fática do Objeto de Estudo: Greenwashing ou Maquiagem Verde In: MÉO, Letícia. Greenwashing e o Direito do Consumidor: Como Prevenir (ou Reprimir) O Marketing Ambiental Ilícito. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2019. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/greenwashing-e-o-direito-do-consumidor-como-prevenir-ou-reprimir-o-marketing-ambiental-ilicito/1290405317. Acesso em: 23 de Setembro de 2025.
⁹ MARQUES, Claudia. Princípio Básico de Transparência. In: MARQUES, Claudia. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - Ed. 2025. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2025. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/contratos-no-codigo-de-defesa-do-consumidor-ed-2025/3959005146. Acesso em: 16 set. 2025.
¹⁰ OTTMAN, J. A. As novas regras do marketing verde: estratégias, ferramentas e inspiração para o branding sustentável. São Paulo: Books do Brasil Editora, 2012.
¹¹ De acordo com Méo (2019), a relação de consumo é fundamentada em um depósito de confiança do consumidor nas informações fornecidas pelo fornecedor. Essa credibilidade é crucial e se torna ainda mais evidente quando o consumidor busca atributos sustentáveis em um produto ou serviço, pois sua decisão de compra reflete a confiança nos dados ambientais apresentados pelo fornecedor. MÉO, Letícia. Capítulo II. O Greenwashing ou a Maquiagem Ambiental: Os Sete Pecados Capitais. In: MÉO, Letícia. Greenwashing e o Direito do Consumidor: Como Prevenir (o Reprimir) O Marketing Ambiental Ilícito. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais, 2019. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/greenwashing-e-o-direito-do-consumidor-como-prevenir-ou-reprimir-o-marketing-ambiental-ilicito/1290405317. Acesso em: 16set. 2025.