Os honorários de sucumbência em incidentes de desconsideração da personalidade jurídica devem ser fixados por equidade

por Jóse Miguel Garcia Medina e Nida Saleh Hatoum
A despeito da regulação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica pelo Código de Processo Civil de 2015, em vigor desde março de 2016, à luz da norma de direito material inserta no art. 50 do Código Civil, há, ainda, muita controvérsia no âmbito do Superior Tribunal de Justiça acerca de questões específicas que orbitam a tramitação do incidente, notadamente relativas à fixação de honorários de sucumbência.
Como foi amplamente noticiado, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 2.072.206/SP, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento no sentido de que "o indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo". A decisão não foi tomada por unanimidade. Acompanharam o voto do relator os ministros Sebastião Reis Júnior, Nancy Andrighi, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Luis Felipe Salomão e Antonio Carlos Ferreira, e acompanharam a divergência inaugurada pelo ministro João Otávio de Noronha os ministros Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti.
No voto-vencedor, a "ratio decidendi" se assentou no fundamento adotado pelo acórdão proferido pelo Tribunal no julgamento do Recurso Especial n. 1.925.959/SP, de relatoria do saudoso ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Neste julgado, proferido em 12/9/2023, a Terceira Turma do Tribunal alterou seu posicionamento para, doravante, viabilizar a fixação de honorários de sucumbência em incidentes de desconsideração da personalidade jurídica. A fundamentação esteve pautada principalmente no fato de que o incidente, no Código de Processo Civil de 2015, foi regulado como intervenção de terceiros e, equivocadamente, como mero incidente processual. Haveria, segundo considerou o relator, semelhança com outra modalidade de intervenção de terceiros: a denunciação da lide. Ao disciplinar este instituto, o art. 129, parágrafo único, do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de fixação de honorários de sucumbência em favor do denunciado na hipótese de a ação de denunciação não ter seu pedido examinado, por ter restado prejudicado quando o denunciante for vencedor na lide principal.
O voto-vencido proferido pelo ministro João Otávio de Noronha foi no sentido de afastar a condenação da parte que suscita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao pagamento de honorários de sucumbência. O ministro Raul Araújo acompanhou a divergência com o acréscimo de que a fixação de honorários sucumbenciais em incidentes de desconsideração da personalidade jurídica depende de lege ferenda, uma vez que este incidente processual não foi previsto no rol indicado no § 1.º do art. 85 do Código de Processo Civil e o legislador, quando quis prever a incidência dos honorários de sucumbência, o fez, a exemplo do que ocorre na hipótese de denunciação da lide. Também afirmou que, segundo o art. 136 do Código de Processo Civil, os incidentes são resolvidos por decisão interlocutória, e, nos termos do art. 85, caput, somente sentenças podem fixar honorários. Por fim, a ministra Isabel Gallotti também afirmou que o incidente não é demanda autônoma e, por isso, a fixação de honorários de sucumbência não tem previsão legal.
Nos embargos de declaração opostos pela FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos, que atuou como amicus curiae, houve a tentativa de modular os efeitos do acórdão proferido pela Corte Especial para que o posicionamento nele sedimentado pudesse alcançar somente incidentes futuros. Também se argumentou que o acórdão foi omisso quanto ao fato de que permitir a fixação de honorários advocatícios em incidentes de desconsideração da personalidade jurídica significaria autorizar "[a] atuação do Tribunal como legislador positivo", o que violaria a separação entre os poderes, e que a condenação também feriria o princípio da simetria, já que na hipótese de procedência do pedido de desconsideração não seriam devidos honorários de sucumbência. Os embargos de declaração, contudo, foram rejeitados aos 4/6/2025.
Para a reflexão ora proposta, no entanto, interessa a circunstância de o relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, quando do julgamento do Recurso Especial n. 2.072.206/SP, ter pontuado que o que se busca no incidente é a ampliação subjetiva de lide e, considerando a pretensão resistida manifestada contra terceiros, a improcedência do pedido que tem como resultado a não inclusão do sócio ou da empresa no polo passivo impõe a fixação dos honorários, "[...] situação que se equipara à sua exclusão quando indicado desde o princípio para integrar a relação processual". Também constou do voto que "[...] pode ser aplicado ao caso a mesma orientação adotada para a hipótese de extinção parcial do processo em virtude da exclusão de litisconsorte passivo, que dá ensejo à condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do advogado do excluído, [...]".
Não por outro motivo, o Ministro sinalizou, ao final de seu voto, que a questão relativa à definição dos critérios de fixação dos honorários advocatícios na hipótese de improcedência do pedido deduzido no incidente de desconsideração da personalidade jurídica não havia sido, naquela ocasião, levada à Corte, mas que, quando a questão vier a ser analisada, deverá ser observado o posicionamento firmado pela Primeira Seção do Tribunal, refletido no julgamento dos EREsp 1.880.560/RN, segundo o qual em caso de exclusão de litisconsorte do polo passivo do processo de execução sem que tenha havido impacto na dívida executada, os honorários advocatícios deverão ser fixados por apreciação equitativa.
Entendemos que a fixação de honorários de sucumbência somente nas hipóteses de improcedência do pedido deduzido no incidente viola o princípio da isonomia. Assim, na hipótese em que o credor é vencedor e o pedido de desconsideração é acolhido, também são devidos honorários advocatícios.
Feita essa ressalva, a sinalização da Corte Especial para a necessidade de aplicação do critério equitativo nos termos do posicionamento da Primeira Seção, à luz do art. 85, § 8.º, do Código de Processo Civil, é fundamental.
Essa questão jurídica, inclusive, é objeto do Recurso Especial n. 2.146.753/RN, de relatoria do ministro Moura Ribeiro, cujo julgamento se iniciou aos 13/5/2025. O voto do relator¹, único proferido até o momento em que o presente artigo é concluído, foi no sentido de que não seria possível a fixação dos honorários pelo critério equitativo, à luz do Tema 1.076, porque a análise do proveito econômico não deveria ser descolada da realidade do caso concreto e a impossibilidade de mensuração exata do proveito econômico não deveria ser confundida com o seu caráter inestimável. Também constou do voto que não se aplicaria ao caso o posicionamento da Primeira Seção manifestado no no julgamento dos EREsp n. 1.880.560/RN, porque não se trataria de questão meramente processual de ilegitimidade, mas de alegações de fraude, confusão patrimonial e má-fé, que, naquele caso, embasaram o pedido. O relator deu provimento parcial ao recurso entendendo pela necessidade de fixação de honorários em 10% (dez por cento) não sobre o valor executado (no caso, R$ 180.102.976,96, em 1/1/2020), mas sobre o valor da causa atribuído pelo credor na petição inicial do incidente (apresentado em 16/2/2016, na modalidade de medida cautelar), que, no caso, foi de R$ 19.170.574,04.
Discordamos, respeitosamente, deste entendimento. Em primeiro lugar e com maior relevo, porque o precedente da Corte Especial, inclusive mencionado no voto, tem caráter vinculante e foi claro no sentido de que, embora a matéria atinente aos critérios para fixação dos honorários sucumbenciais não tenha sido objeto do recurso que se encontrava em julgamento, "[...] haja vista a semelhança das hipóteses fáticas, deve-se atentar para o recente julgado da Primeira Seção [...]".
Essa orientação é plenamente justificável. O posicionamento externado nos EREsp 1.880.560/RN pela Primeira Seção (composta pelas 1ª e 2ª turmas do Tribunal, que têm competência para julgar questões de Direito Público) deve ser aplicado ao caso concreto também em observância à isonomia, à segurança jurídica e à previsibilidade das decisões judiciais, uma vez que tal entendimento tem sido reiteradamente aplicado também pelas Turmas que compõem a Segunda Seção (cf. se verifica da jurisprudência da Terceira² e da Quarta³ Turmas do Tribunal, que têm competência para julgar questões de Direito Privado).
Ou seja, mesmo em relação às dívidas civis, quando o litisconsorte é excluído do polo passivo sem que tenha havido qualquer impacto na dívida executada o proveito econômico deve ser considerado inestimável e os honorários de sucumbência devem ser fixados pelo critério equitativo.
Acrescente-se que a causa de pedir nos incidentes de desconsideração da personalidade jurídica é - ou ao menos deveria ser -, a verificação acerca da ocorrência ou não de abuso da personalidade jurídica por aquelas pessoas naturais ou jurídicas que poderão ser incluídas no polo passivo, à luz do art. 50 do Código Civil. A controvérsia, assim, não se relaciona ao valor da dívida que está sendo cobrada na execução correlata, pouco importando, no âmbito do incidente, se aquela é de valor baixo ou vultuoso. O que importa, no incidente, é a comprovação - ou não - de que houve abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. A dívida per se só será objeto de discussão em momento processualmente posterior à procedência do pedido veiculado no incidente, quando a pessoa "desconsideranda" passará à condição de executada, será citada para os fins do art. 827 do Código de Processo Civil e poderá opor embargos à execução nos termos dos arts. 914 e seguintes também do Código de Processo Civil.
Outro ponto importante é que, como dito, os honorários advocatícios de sucumbência não devem ser fixados somente em casos de improcedência do pedido deduzido no incidente, mas também nos casos de procedência, ou seja, nos casos em que o credor vence e fica apto a incluir a pessoa "desconsiderada" no polo passivo de sua execução. Isso se dá em razão da patente aplicação do princípio da causalidade, que, nesses casos, se sobrepõe ao princípio da sucumbência. Como bem pontuou a ministra Nancy Andrighi na ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.845.536/SC⁴, "[...] ao propor o incidente, a recorrente se utilizou das ferramentas processuais disponíveis para tentar receber seu crédito, não podendo ser, assim, considerada a responsável pela instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica".
Não podemos concluir este artigo sem antes registrar, respeitosamente, que a alteração jurisprudencial aqui apontada viola a segurança jurídica. O que se vê é um cenário de absoluta imprevisibilidade, tanto no que respeita à fixação de honorários advocatícios em incidentes de desconsideração da personalidade jurídica - uma vez que até o julgamento do Recurso Especial n. 1.925.959/SP, em 12/9/2023, havia posicionamento firme no Superior Tribunal de Justiça quanto ao não cabimento de verba honorária em incidentes processuais⁵ - quanto no que atine aos critérios para a fixação desses honorários.
Esse estado de incerteza deve ser corrigido, deixando-se claro o seguinte: uma vez que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é tratado como demanda incidental, e não como incidente processual⁶, devem ser fixados honorários de sucumbência em desfavor do vencido, tanto em casos de procedência quanto em casos de improcedência do pedido, observando-se o critério da equidade, à luz do art. 85, § 8.º, do Código de Processo Civil. Isso porque não há, no momento em que o incidente é julgado, qualquer impacto no valor da dívida cobrada e, por esse motivo, o benefício econômico, segundo posicionamento do próprio Tribunal, é inestimável.
Este texto também foi publicado nos portais especializados Conjur e Migalhas.
¹ Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JQYnlO1MfEw&t=129s. Acesso em 15 jul. 2025.
² Nesse sentido: (1) STJ, REsp n. 2.081.622/MT, Rel.: Min. Humberto Martins, 3.ª T., j. 16.06.2025; (2) STJ, AREsp n. 2.720.863/DF, Rel.: Min. Moura Ribeiro, 3.ª T., j. 28.04.2025; (3) STJ, AgInt no AREsp n. 2.259.674/SC, Rel.: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3.ª T., j. 12.06.2023; e (4) STJ, REsp n. 1.875.161/RS, Rel.: Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 25/5/2021.
³ Nesse sentido: (1) STJ, AgInt nos EDcl no AgInt nos EDcl no REsp n. 1.989.021/GO, Rel.: Min. Marco Buzzi, 4.ª T., j. 03.06.2024; (2) STJ, AgInt no AREsp n. 2.275.424/SC, Rel.: Min. Antonio Carlos Ferreira, 4.ª T., j. 26.06.2023; (3) STJ, AgInt no AREsp n. 1.416.180/SP, Rel.: Min. Raul Araújo, 4.ª T., j. 08.05.2023; e (4) STJ, AgInt no REsp n. 1.963.618/PR, Rel.: Min. Isabel Gallotti, 4.ª T., j. 26/9/2022.
⁴ STJ, REsp n. 1.845.536/SC, Rel.: Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 26/5/2020.
⁵ Nesse sentido: (1) STJ, AgInt no REsp n. 1.834.210, Rel.: Min. Raul Araújo, 4.ª T, j. 12.11.2019; (2) STJ, AgInt no AREsp n. 1.642.321, Rel.: Min. Isabel Gallotti, 4.ª T, j. 07.12.2020; (3) STJ, AgInt no REsp n. 1.852.515, Rel.: Min. Moura Ribeiro, 3.ª T, j. 24.08.2020; e (4) STJ, REsp n. 1.943.831, Rel.: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3.ª T, j. 14/12/2021
⁶ Nesse sentido: STJ, REsp n. 2.182.040, 3.ª T., Rel.: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 11/6/2025.