Tema 1.350 do STJ: A flexibilização das hipóteses de alteração da CDA frente à segurança jurídica

por Flávio Vieira Campos Silva
Após a constituição definitiva do crédito tributário por meio do lançamento, caso o contribuinte não realize o pagamento da dívida, a autoridade administrativa competente deve, nos termos do art. 201 do CTN, inscrever o débito em dívida ativa.
A partir da inscrição, o Fisco expede a CDA - Certidão de Dívida Ativa, que, segundo a lei de execuções fiscais (lei 6.830/80), é o título hábil a instruir a petição inicial da execução fiscal.
Para que a CDA seja válida e goze da presunção de certeza e liquidez, o art. 202 do CTN e o art. 2.º, § 5.º, da lei de execuções fiscais exigem que ela contenha os seguintes elementos: (I) o nome do devedor; (II) a quantia devida com a fórmula de cálculo dos juros; (III) a origem e a natureza do crédito, com a indicação precisa do fundamento legal do tributo; (IV) a data e o número da inscrição; e (V) o número do processo administrativo que originou o crédito.
A inobservância desses requisitos essenciais acarreta a nulidade da inscrição e, por consequência, do processo de execução fiscal. Contudo, o legislador previu a possibilidade de correção do título executivo em determinadas situações.
Essa previsão está disposta no art. 203 do CTN e no art. 2.º, § 8.º, da lei de execuções fiscais, que concedem à Fazenda Pública a faculdade de emendar ou substituir a CDA que contenha vícios formais.
O marco temporal para essa correção, conforme consta dos referidos dispositivos, é a decisão de primeira instância. O STJ, ao julgar o Tema 166¹, em conformidade com a sua súmula 392, pacificou o entendimento de que é permitida a substituição da CDA para corrigir erros formais ou materiais até a prolação da sentença dos embargos à execução fiscal, mas vedou expressamente a possibilidade de modificação da materialidade da CDA.
Ou seja, a identidade do devedor e o fundamento legal do tributo indicados na CDA não podem ser alterados com o processo já em curso - trata-se de vício insanável.
Contudo, recentemente, o STJ afetou os REsp. 2.194.708/SC, 2.194.706/SC e 2.194.734/SC, dando origem ao Tema 1.350 para decidir a seguinte questão²: "Definir se, até a prolação da sentença nos embargos, é possível que a Fazenda Pública substitua ou emende a CDA - Certidão de Dívida Ativa, para incluir, complementar ou modificar o fundamento legal do crédito tributário." (g.n.)
A justificativa para a afetação, como apontado nos leading cases, reside no vasto impacto da questão no processo arrecadatório estatal. Busca-se dar contornos mais flexíveis à cobrança dos tributos pela Fazenda Pública, o que pode ocorrer em detrimento do devido processo legal e da segurança jurídica.
Contudo, a segurança jurídica tem como um de seus limites objetivos a noção de estrita legalidade que há (ou deveria haver) no âmbito tributário. A observância do princípio da legalidade serve para conduzir o intérprete a buscar por enunciados prescritivos que tenham sido introduzidos apenas através do veículo introdutor normativo adequado³. Em outras palavras, garante certo grau de previsibilidade e "certeza" em determinadas situações.
Assim, a autorização da modificação da CDA, para além de vícios formais, fere a literalidade do art. 203 do CTN e do art. 2.º, § 8.º, da LEF, gerando insegurança jurídica e, além disso, compromete a própria essência do lançamento tributário.
O lançamento é o ato administrativo que vincula a autoridade administrativa e o contribuinte, no qual se declara a ocorrência do fato gerador e se define a matéria tributável, o montante e o sujeito passivo (art. 142 do CTN).
É necessário pontuar que a CDA é como um espelho que reproduz os termos do lançamento do tributo. Logo, os equívocos que levam à necessidade de alteração do seu fundamento legal, sujeito passivo, nova apuração do débito fiscal com base em outros critérios e modificação da base de cálculo ou alíquota, questionam o próprio lançamento do tributo. Assim, não é possível a sua mera substituição sem que seja revisado o próprio lançamento⁴.
Ademais, considerando que a CDA corresponde ao veículo de linguagem responsável por fixar e delimitar o conflito entre a Fazenda Pública e o contribuinte, a alteração do seu fundamento legal no curso da execução fiscal significa, na prática, autorizar a alteração da própria causa de pedir.
Em caso de o tema ser julgado de modo a autorizar a modificação da materialidade da CDA, isso desequilibraria ainda mais a paridade de armas processual que há entre o fisco e o contribuinte, que já é, por natureza, vulnerável no ambiente processual.
A decisão a ser proferida pelo STJ no Tema 1.350 definirá não apenas uma mera questão procedimental, mas poderá alterar drasticamente a relação processual Fisco-contribuinte.
A prevalecer a tese da possibilidade de alteração, corre-se o risco de transformar a execução fiscal em um instrumento de cobrança com regras excessivamente flexíveis para o Estado, fragilizando garantias constitucionais e incentivando que eventuais falhas no procedimento de lançamento sejam corrigidas a qualquer tempo, em prejuízo da segurança jurídica para o contribuinte.
¹ Tese firmada: A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=166&cod_tema_final=166
² Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1350&cod_tema_final=1350
³ CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 8ª ed. São Paulo: Noeses, 2021.
⁴ PAULSEN, Leandro; ÁVILA, René Bergmann; SLIWKA, Ingrid Schroder. Direito Processual Tributário: Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.