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Arbitragem no agronegócio: Limites, possibilidades e benefícios

por Thiago Gaetan Lima Poloni

À medida que se avizinha o trigésimo aniversário de vigência da lei de arbitragem 9.307/96 ("Larb") no ordenamento jurídico pátrio, impõe-se uma reflexão crítica acerca da evolução desse instituto, notadamente no que tange à sua incidência sobre os conflitos que têm por objeto o Agronegócio.

A arbitragem encontra sua gênese no seio do Direito Privado e se apresenta como via jurisdicional alternativa apta a solucionar controvérsias oriundas de relações agrárias e pecuárias. O pronunciamento final do juízo arbitral ostenta natureza de sentença equiparada a título executivo judicial, nos termos do art. 515, inc. VII, do CPC e do art. 31 da lei 9.307/96.

Nessa perspectiva, cumpre recordar os ensinamentos de Francisco José Cahali1, para quem a arbitragem representa o pacto segundo o qual "as partes capazes, de comum acordo, diante de um litígio, ou por meio de uma convenção, estabelecem que um terceiro, ou colegiado, terá poderes para solucionar a controvérsia, sem a intervenção estatal, sendo que a decisão terá a mesma eficácia que uma sentença judicial". A definição traduz com precisão o cerne da arbitragem: um instrumento heterocompositivo, cuja legitimidade decorre do consenso entre sujeitos plenamente capazes.

A assertiva evidencia a natureza privatística da arbitragem, encorpada no brocardo pacta sunt servanda, por meio da qual as partes contratantes podem convencionar a submissão de eventuais litígios ou daqueles já instaurados à jurisdição arbitral, valendo-se da denominada convenção de arbitragem, expressão que engloba tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral. É precisamente nessa moldura contratual2 que se constrói o regime jurídico da arbitragem como alternativa legítima à jurisdição estatal, eis que tal poder-dever concedido ao árbitro nada mais é do que o resultado de um negócio jurídico fundado na autonomia da vontade das partes3.

No que se refere a esse poder-dever conferido ao árbitro (ou ao colegiado de árbitros constituído sob a forma de tribunal arbitral) pelas partes por meio da convenção de arbitragem -  mecanismo pelo qual se elege a jurisdição arbitral em substituição à estatal, é certo que sua autonomia se encontra adstrita aos limites de ordem material fixados pelo ordenamento jurídico. Cuida-se, portanto, de uma jurisdição de escopo delimitado4, cuja incidência pressupõe a disponibilidade e a natureza patrimonial dos direitos controvertidos.

A fundamentação dessa limitação reside na imperatividade das normas cogentes, que reservam à jurisdição estatal a apreciação das lides envolvendo direitos indisponíveis. Impõe-se, assim, uma filtragem ontológica do objeto litigioso, de sorte que apenas controvérsias patrimoniais disponíveis possam ser validamente submetidas à arbitragem, sob pena de nulidade da convenção de arbitragem por usurpação da competência jurisdicional exclusiva do Estado para dirimir certos litígios.

É nesse diapasão que se insere o comando normativo do art. 1.º da lei 9.307/96, o qual estabelece, de forma categórica, que "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis". Vê-se, pois, que a eleição da via arbitral depende, sine qua non, da capacidade dos contratantes, da natureza patrimonial e da disponibilidade do objeto do litígio, sob pena de nulidade da convenção arbitral.

A esse respeito, leciona Carlos Alberto Carmona5 que direitos disponíveis são aqueles sobre os quais o titular pode livremente dispor, sendo-lhes facultado exercê-los, renunciá-los ou negociá-los, conforme sua exclusiva conveniência. São, portanto, direitos que não se encontram submetidos à reserva de ordem pública nem à tutela especial do Estado. Daí se infere que a arbitragem se revela incabível nos casos em que o objeto da lide transcende o domínio patrimonial e adentra a esfera de proteção de interesses existenciais ou de ordem pública.

À luz do conceito descrito por Carmona, constata-se que os conflitos agrários, embora heterogêneos em sua natureza, revelam-se, em sua maioria, plenamente "arbitráveis". Controvérsias relativas à qualidade do produto entregue, ao eventual desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, ao inadimplemento ou à rescisão antecipada das obrigações contratuais, dentre outras questões recorrentes, figuram como exemplos típicos de litígios entre os agentes do setor do agronegócio que podem ser validamente submetidos à jurisdição arbitral6.

Diante desse cenário, a arbitragem não apenas se mostra juridicamente viável, mas também funcionalmente adequada às peculiaridades do agronegócio. Trata-se de setor marcado por operações de alta complexidade, que demandam soluções céleres, seguras e tecnicamente orientadas. Frente às limitações da jurisdição estatal, destacam-se os diferenciais da via arbitral, como a especialização dos julgadores e a agilidade na condução das disputas - atributos que a consolidam como instrumento eficiente de pacificação e estabilidade contratual no campo.

Nessa linha de reflexão, um dos atributos mais expressivos e vantajosos da arbitragem no contexto do agronegócio reside na possibilidade de se contar com a especialização do julgador. Ao passo que a jurisdição estatal se caracteriza por sua rigidez formal e orientação predominantemente jurídica, a jurisdição arbitral distingue-se por permitir a valorização não apenas da formação em Direito, mas também da competência técnica do árbitro na matéria controvertida. É por esta razão que o art. 13 da lei de arbitragem é claro ao dispor que "pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes", afastando a exigência de formação jurídica específica.

Tal possibilidade demonstra ser vantajosa no contexto do agronegócio, cujas controvérsias, em grande medida, envolvem aspectos operacionais, contratuais e logísticos de elevada complexidade técnica, muitas vezes inacessíveis ao saber jurídico tradicional7.

Por fim, cumpre salientar, como uma das preponderantes virtudes da arbitragem em face do moroso aparato jurisdicional estatal, a celeridade que lhe é imanente. Em um cenário onde as demandas judiciais, não raro, se protraem no tempo, por vezes ultrapassando uma década até o seu desfecho, o instituto arbitral emerge como um mecanismo de notável agilidade e previsibilidade.

O diploma legal que rege a matéria, a lei 9.307/96, consubstancia tal predicado em seu art. 23, ao estatuir que a sentença arbitral será prolatada no prazo pactuado entre os litigantes ou, no silêncio destes, no interregno de seis meses. Dita baliza temporal não constitui mero alvitre; sua inobservância é capaz de ensejar a invalidação da sentença arbitral, nos termos do art. 32, inciso VII, do mesmo diploma, o que assegura um compromisso efetivo com a presteza do procedimento8.

Tal celeridade revela-se uma simbiose impecável para as demandas do agronegócio, setor atrelado a ciclos sazonais onde a demora na resolução de um litígio pode representar a ruína financeira do produtor9.

O que robustece e garante essa velocidade é o caráter terminativo da decisão arbitral. Uma vez proferida, a sentença reveste-se da autoridade da coisa julgada material, tornando-se definitiva e infensa à prolixa cadeia recursal do Poder Judiciário. A sua única via de impugnação, a ação anulatória, restringe-se a vícios formais e não permite a rediscussão do mérito10. Essa combinação de prazo legal e irrecorribilidade erige a arbitragem à condição de salvaguarda, essencial à estabilidade e segurança jurídica de toda a cadeia produtiva.

Por todos os motivos expostos anteriormente, constata-se que a arbitragem se revela instrumento valioso para a resolução de controvérsias no âmbito do agronegócio, sobretudo em razão de sua vocação para lidar com litígios complexos que exigem celeridade, tecnicidade e segurança jurídica. Ao permitir a eleição de julgadores com expertise na matéria e ao conferir às partes maior controle sobre o procedimento, a via arbitral desponta como alternativa compatível com as exigências negociais do setor.

Sob as condições da autonomia da vontade e da disponibilidade dos direitos, a arbitragem tende a se consolidar como mecanismo eficiente de pacificação social e estabilidade contratual no campo. Nesse cenário, mais do que uma solução contingencial, a arbitragem assume contornos estruturais no desenho de um sistema de justiça privado cada vez mais apto a atender às demandas do setor produtivo rural.

                                                   

1 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 119.

2 Nesse sentido: "o próprio legislador coloca o compromisso arbitral ao lado da transação, cuja natureza contratual não se nega, dados os inúmeros pontos de contato entre ambos os negócios jurídicos. Ainda que se repila essa posição, ao menos não podemos negar que o compromisso se avizinha mais do contrato do que de qualquer outro negócio jurídico. O compromisso é ato de vontade privada capaz de criar novas relações jurídicas, com obrigações para todos os seus participantes" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas, v. 25, 2025, p. 200).

3 A respeito: DINAMARCO, Cândido Rangel; DAGUANO JUNIOR, Oswaldo. O processo arbitral. 2. ed. Curitiba: Direito Contemporâneo, 2022, p. 57. Ao aprofundar o exame da matéria, os autores enaltecem a via arbitral como expressão legítima da autonomia da vontade das partes, fruto da liberdade negocial assegurada pelo ordenamento constitucional (art. 5.º, caput e inciso II), contrapondo-a à jurisdição estatal atribuída ao juiz togado, cuja competência decorre de delegação soberana conferida pela Constituição Federal, devido ao poder-dever da jurisdição.

4 Ao enunciar tais premissas, não se está a negar a natureza jurisdicional da arbitragem, discussão clássica que já suscitou intensos debates doutrinários quanto à ausência dos poderes de imperium e coercitio e sua repercussão na caracterização do exercício da jurisdição pelo árbitro. Ao revés, reconhece-se plenamente a jurisdição arbitral, afirmando-se apenas que seus contornos materiais estão limitados às controvérsias que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis, nos exatos termos do artigo 1º da Lei nº 9.307/96. Nesse sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel; DAGUANO JUNIOR, Oswaldo. O processo arbitral. 2. ed. Curitiba: Direito Contemporâneo, 2022, p. 45-48.

5 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9.307/96. São Paulo: Editora Atlas, 2023.

6 NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e mediação no agronegócio: o início das atividades da CARB - Câmara de Mediação e Arbitragem da Sociedade Rural Brasileira. A Granja, 2016.

7 AMARO, Elisabete Aloia; ALMEIDA, Washington Carlos de. A arbitragem como solução alternativa de disputas nas relações agrárias. In: PARRA, Rafaela Aiex (org.). Direito aplicado ao agronegócio. 3. ed. Londrina: Revista Thoth, 2022. p. 951-962.

8 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9.307/96. São Paulo: Editora Atlas, 2023, p. 421.

9 TORMA, Francisco. Endividamento rural: renegociações de dívidas do crédito rural e suas consequências para o produtor. In: PARRA, Rafaela Aiex (org.). Direito aplicado ao agronegócio. 3. ed. Londrina: Revista Thoth, 2022. p. 1373-1384.

10 Quanto aos efeitos da coisa julgada material, mesmo que diante da polêmica quanto à ação anulatória da sentença arbitral, leciona Dinamarco: "negar incidência da autoridade da coisa julgada sobre os efeitos da sentença arbitral por conta de sua vulnerabilidade à ação anulatória deveria, por coerência, conduzir a negá-la também em relação à estatal, por conta da possibilidade de ser desconstituída em ação rescisória" (Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel; DAGUANO JUNIOR, Oswaldo. O processo arbitral. 2. ed. Curitiba: Direito Contemporâneo, 2022, p. 232).


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