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O "pacote fiscal" é constitucional?

por José Miguel Garcia Medina e Marcos Vinicius Paiva

Na última quarta-feira, dia 11 de junho de 2025, o Poder Executivo Federal publicou o decreto 12.499/25 e a medida provisória 1.303/25, inserindo importantes modificações na legislação pertinente ao IOF, IR e CSLL.

Com relação ao IOF, o decreto 12.499/25, editado em substituição aos decretos de 12.466/25 e 12.467/25, (a) aumenta as alíquotas diárias relativas às operações de empréstimo, desconto, adiantamento a depositante, financiamento e excessos de limite em que o mutuário é uma pessoa jurídica (de 0,0041% para 0,0082% ao dia) - inclusive às pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional em operações de valor limitado a R$ 30.000,00 (de 0,00137% para 0,00274% ao dia); (b) determina a incidência do imposto sobre operações de risco sacado; (c) restringe a desoneração das cooperativas àquelas que tenham realizado, no ano-calendário anterior, até R$ 100.000.000,00 em operações de crédito; (d) unifica as alíquotas relativas às operações de câmbio (3,5%), exceto em liquidações para fins de retorno de recursos aplicados por investidor estrangeiro em participações societárias (0%), transferências de recursos ao exterior com vistas à colocação de disponibilidade de residente no país com finalidade de investimento (1,1%) e operações inespecíficas de entrada de recursos do exterior (0,38%); (e) atribui responsabilidade pela cobrança e recolhimento do imposto às entidades abertas de previdência complementar e às instituições equiparadas a instituições financeiras; (f) aumenta a alíquota incidente sobre as operações em que o valor dos prêmios pagos por pessoas físicas para custeio de planos de seguro de vida com cobertura por sobrevivência supera determinados limites quantitativos (de 0% para 5%); (g) determina a incidência do imposto sobre a aquisição primária de cotas de FIDC - Fundos de Investimento em Direitos Creditórios.

Com relação ao IR e à CSLL, a medida provisória 1.303/25 disciplina extensamente a tributação de rendimentos de aplicações financeiras, ganhos líquidos nos mercados de bolsa e de balcão organizado, empréstimos de títulos e valores mobiliários, ativos virtuais - além de promover alterações pontuais em diplomas normativos estranhos à matéria. Dentre as dezenas de modificações, merecem destaque as seguintes: (a) padronização das alíquotas incidentes sobre tais rendimentos quando auferidos por pessoas físicas (17,5%), em abandono da sistemática regressiva antes existente (de 22,5% a 15%); (b) novas possibilidades de compensação de perdas; (c) tributação da conversão de investimentos estrangeiros em modalidades sujeitas ao CNM, Banco Central e CVM, a partir da diferença entre o valor de mercado do investimento na data de conversão e o custo de aquisição; (d) tributação de pessoas físicas sobre aplicações financeiras antes isentas, como Letras Hipotecárias, LCI, CRI, CDA, WA, CDCA, LCA, CRA, CPR com liquidação financeira (desde que negociadas no mercado financeiro), LIG, LCD e outros títulos e valores mobiliários relacionados a projetos de investimento e infraestrutura; (e) tributação de pessoas físicas sobre rendimentos auferidos em Fiagros e FIIs; (f) aumento da alíquota aplicável sobre aplicações financeiras e ativos virtuais no exterior, bem como sobre lucros e dividendos de entidades controladas no exterior (de 15% para 17,5%); (g) aumento da alíquota aplicável sobre os pagamentos de JCP (de 15% para 20%); (h) novas hipóteses em que as compensações serão consideradas não declaradas.

Sob a perspectiva política, tais medidas podem ser qualificadas como boas ou ruins, adequadas ou inadequadas, dignas de aplausos ou críticas. Aqui, nossa preocupação reside na análise das inovações normativas mencionadas sob a perspectiva constitucional. Algumas considerações são necessárias, pois, a nosso ver, há inconstitucionalidades bastante claras:

Como se sabe, a CF/88 mitiga as exigências de legalidade e anterioridade com relação ao IOF. É que o referido tributo tem finalidade preponderantemente extrafiscal, servindo à intervenção estatal no domínio econômico. Assim, conquanto resulte na transferência de recursos do particular para o Estado, o IOF configura uma valiosa ferramenta de indução comportamental. Por essa razão, preferiu o constituinte dispensá-lo das limitações constitucionais de anterioridade anual e nonagesimal, e autorizar que suas alíquotas sejam modificadas mediante decreto.

Daí decorrem dois pontos de atenção: O primeiro é que tais flexibilizações resultam da sensibilidade constitucional à agilidade necessária para que o IOF represente efetivo instrumento regulatório e interventivo, e não para viabilizar súbitos aumentos de arrecadação com vistas ao equilíbrio das contas públicas e atingimento de metas fiscais; o segundo é que o decreto 12.499/25, ao dispor sobre a tributação do risco sacado e da aquisição primária de cotas de FIDCs, insere novas hipóteses de incidência do imposto, e não apenas altera alíquotas - como lhe faculta o texto constitucional. Assim, parece-nos que há, aí, violação à norma constitucional.

Cumpre notar, ainda, que o risco sacado, salvo na hipótese de coobrigação ou regresso, sequer configura uma operação de crédito, já que o título é definitivamente transferido (nesse caso, as coisas se passam como se a instituição financeira tivesse "comprado" o crédito). Se isso é verdade, a inovação trazida pelo decreto 12.499/25 não apenas viola a legalidade, mas extrapola a regra de competência tributária atribuída à União para a instituição e cobrança do IOF. Há, também nesse ponto, manifesta inconstitucionalidade. 

A medida provisória 1.303/25 tampouco está isenta de problemas. 

Em primeiro lugar, observa-se que a incidência do IRF sobre a conversão de investimentos (art. 38) pretere a exigência de realização da renda, reconstruída a partir dos dispositivos constitucionais afetos à capacidade contributiva, generalidade, universalidade, segurança jurídica e praticabilidade e concretizada por meio do disposto no art. 43 do CTN, que condiciona a tributação da renda à sua disponibilidade econômica ou jurídica. Ora, descabe cogitar da incidência do IRF sobre uma mera conversão, porque a reclassificação de investimentos em nada altera as suas condições de liquidez, mensurabilidade e certeza.

Em segundo lugar, a previsão de que as compensações decorrentes do regime não cumulativo do PIS e da Cofins "cujo crédito não guarde qualquer relação com a atividade econômica do sujeito passivo" serão consideradas não declaradas (art. 64) provoca insegurança jurídica aos contribuintes. Em razão da sua elevada genericidade e vagueza, o enunciado normativo transfere a especificação e precisão do seu conteúdo às autoridades fiscais - prática inadmissível no Direito Tributário, âmbito normativo que exige instrução prévia por envolver a potencial aplicação de sanções e a restrição de direitos fundamentais de liberdade e propriedade, indispensáveis ao pleno exercício de qualquer atividade econômica. As compensações não declaradas, ao contrário daquelas não homologadas, não admitem contraditório administrativo, e resultam na imediata possibilidade de cobrança ao contribuinte.

Estas breves observações demonstram que as sensíveis mudanças propostas pelo Poder Executivo requerem cuidado e reflexão. Obstáculos normativos não são superados por argumentos políticos, como a necessidade de corrigir distorções, alcançar isonomia tributária ou alcançar o equilíbrio fiscal. Vale lembrar, por exemplo, que a Constituição reservou a instituição do imposto sobre grandes fortunas à lei complementar (art. 153, VII), o que sugere que, aos olhos do constituinte, mesmo a pressão fiscal sobre a parcela da sociedade sobre a qual poderá recair tal tributo requer discussão, articulação e consenso - o que não se verifica no uso e abuso de decretos e medidas provisórias. Os propósitos políticos devem observar a ordem constitucional. Não sendo assim, ferem-se os direitos fundamentais dos contribuintes. E, sem segurança jurídica, inibe-se a realização de investimentos, que requerem estabilidade, e, ao fim e ao cabo, impede-se que as atividades econômicas e produtivas se realizem com plena liberdade. 

No Brasil, historicamente, a estratégia governamental tem privilegiado o aumento da carga tributária, por meio da criação ou majoração de encargos, em detrimento de reformas estruturais de contenção de gastos e racionalização administrativa, aptas a conferir maior eficiência com menor onerosidade à ação estatal. A conta, assim, recai sobre os contribuintes, penalizando, em última análise, toda a população.


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